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quinta-feira, 9 de junho de 2011

Aquele “olhar distanciado”

Carlos Alberto Azevedo*

Aprendi erroneamente nas aulas de antropologia que o antropólogo deve manter um “olhar distanciado” (a expressão é de Claude Lévi-Strauss). Deve-se distanciar dos padrões e valores da cultura do outro, para evitar, assim, maior participação no grupo em que se quer pesquisar. Esta seria a atitude “correta”, antropologicamente “correta”, por parte de quem investiga fatos relacionados à cultura material ou imaterial de um povo.

Questiono muito esse “olhar distanciado”. Essa distância abissal entre o antropólogo e seu objeto de estudo. O próprio Lévi-Strauss envolveu-se profundamente na cultura dos kadiwéu e dos nambiquara. Basta ler Tristes trópicos (1955) para notar que ele não optou pelo “olhar distanciado” ao descrever os costumes dessas etnias. Refiro-me ao primeiro Lévi-Strauss.

Na década de 1970, em plena ditadura militar, desenvolvi uma investigação antropológica nos candomblés da Bahia (Salvador). A princípio, então, tentei manter àquele “olhar distanciado”, mas como observador participante, confesso, foi muito difícil de ficar à parte da dinâmica cultural do candomblé.

Participei ativamente do culto afro-brasileiro. Frequentei o Gantois e outros terreiros. Fui purificado através de um ritual de ervas sagradas, para tirar as más-energias que trazia comigo. Nesse tempo conheci Mãe Menininha (Maria Escolástica da Conceição Nazareth). Quase fui ogã do Gantois. Resumindo, sentia-me como se fosse filho espiritual de Menininha.

Mas essa falta de “olhar distanciado” não me prejudicou em nada, muito pelo contrário, fiz um excelente trabalho, minha monografia: Mitos e ritos nos grupos de cultos afro-brasileiros (1971), foi aprovada com distinção pela banca examinadora.

Outro exemplo de ausência de “olhar distanciado”: Roger Bastide, etnólogo francês que escreveu um dos melhores livros sobre os cultos afro-brasileiros: O candomblé da Bahia (1961). Bastide foi ogã de diversos candomblés. Quase se iniciou no culto – era filho de Xangô. Nem por isso deixou de fazer um trabalho científico criterioso.

Citaria ainda mais alguns antropólogos que não se preocuparam com “olhar distanciado”. Já que me refiro ao espaço afro-baiano, destaco as pesquisas da norte-americana Ruth Landes: A cidade das mulheres (1967) e do antropólogo alemão (ainda não traduzido para o português) Hubert Fichte: Xangô: Die afroamerikanischen Religionen: Bahia, Haiti und Trinidad (1976). Ambos escreveram sobre cultos afros sem aquele distanciamento crítico.

Landes viveu nos candomblés da Bahia durante o Estado Novo. Foi denunciada como comunista. Recebeu críticas injustas dos antropólogos Arthur Ramos e Melville Herskovits, porque ela fazia um trabalho incrível, uma pesquisa moderna para a época. Contou com o apoio de Édison Carneiro que a introduziu nos candomblés de Salvador.

Já o pesquisador alemão Hubert Fichte chegou ao extremo. Viveu intensamente a cultura brasileira. Suas pesquisas são interativas – não distingue o sujeito do objeto -, sua visão holística não tem limites. Quem ler Xangô: Die afroamerikanischen Religionen, nota logo que o antropologo “saiu de si, procurando todos os indícios da realidade exterior oculta na cultura de outrem” (cf. Jean-Marie Auzias, A antropologia contemporânea, 1984: 102).

Seu texto é bastante original: o autor e os atores se confundem. Até as notícias dos jornais de Salvador sobre candomblés são levadas em conta, incorporadas à teia textual. Fichte estabelece um diálogo entre o cotidiano e a antropologia.

Acredito no antropólogo que vê a cultura do outro sem distanciamento – mesmo que haja viés – pois sem emoção, sem calor humano, não se pode estudar o homem.

* Antropólogo, Membro da Direção da SPA.

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